sábado, 13 de março de 2010

Quem interpreta os textos dos interpretadores de texto?

Recomendo a leitura do blog Nação Mestiça para entender melhor o problema de racialização no Brasil. Reproduzo abaixo trechos de alguns outros artigos interessantes:
As cotas e os argumentos da história (Leandro Narloch):
Sou contra, mas não por motivos históricos. Acho que devemos deixar a história de lado nesse debate, pra não ficarmos com dezenas de passados e nenhum futuro. O que deve balizar o debate das cotas é o presente – os benefícios das cotas aos brasileiros e aos negros hoje. E nisso, amigo, as cotas são terríveis para os negros. Eles deveriam ser os primeiros a repudiá-las. Alguns já são. Como diz o intelectual negro americano John McWorther (meu herói), elas aumentam o estigma da cor e colocam em dúvida o esforço individual dos que se beneficiam delas. “A pior coisa que pode acontecer aos negros é que seu mérito seja colocado em dúvida. Eles devem ser reconhecidos por chegar à universidade por mérito próprio”, diz ele.

Voltando à história, o debate sobre as cotas rendeu esses dias um princípio de quebra-pau muito divertido. No Entre Aspas da GloboNews, o Jorge Caldeira (meu herói) bateu boca com seu Rafael Marquese, da USP, que estuda os discursos pró e contra a escravidão no século 19. Engraçado que nem eles se entendem sobre a história do Brasil.
Correspondência de Nelson Ascher enviada a Reinaldo Azevedo, comentando o corporativismo de entidades jornalísticas (que, não possuindo argumentos contra o artigo de Demétrio Magnoli, preferiram agredi-lo):
Os ataques infames ao Demétrio Magnoli são uma afronta ao espírito democrático do debate, ao livre mercado de idéias no qual elas se impõem (provisoriamente) por seu conteúdo de verdade e coerência interna, e não na base do grito, da claque ou da torcida organizada; eles constituem, ademais, outra frente de batalha, aquela cujo objetivo é o de calar os dissidentes e quem discorde. Através de Demétrio, nós todos estamos sendo agredidos e/ou ameaçados.
(...)
O fato é que Demétrio está totalmente correto no debate a respeito das cotas raciais e da atual tentativa de racializar a cidadania brasileira, uma investida que carrega em si os germes da guerra civil e mesmo do genocídio, como vimos recentemente nos Bálcãs e em Ruanda. (...) Vale a pena lembrar que um dos objetivos centrais da democracia sempre foi o de acabar com a hierarquização social fundamentada em privilégios ou obrigações de nascença.
(...)
É preciso apontar a primeira falha, a falha central desse uso pseudojurídico da história: a escravidão foi, durante milênios e até há cerca de dois séculos, a regra, não a exceção, no mundo inteiro. (...) Hoje mesmo, em muitos pontos do planeta, ainda há milhões de escravos, inclusive na África, em países como o Sudão e a Mauritânia.
(...)
E, se estamos falando de escravidão, não podemos deixar de mencionar os dois movimentos totalitários que a recriaram em partes do mundo que já haviam se livrado dessa instituição: o nazismo e o comunismo. Ambos escravizaram parcelas imensas das populações sobre as quais reinaram ou, em alguns casos, ainda reinam, como na Coréia do Norte e Cuba, país caribenho cuja população pertence ao estado ditatorial marxista e à família de capitães-de-mato que o chefia. É curioso, portanto, ver aqueles que ou fazem a apologia ou simplesmente fecham os olhos à escravização de toda a população cubana culparem pessoas inocentes pela escravização de gente morta há mais de um século.
(...)
A bem dizer, uma das liberdades confiscadas ao escravo é a de se expressar. Quem quer que tente impedir a livre expressão das opiniões alheias não está, de modo algum, compensando ou remediando a escravidão passada, mas, sim, instaurando a futura. A escravidão mais perigosa e perniciosa não é aquela abolida há um século ou mais, mas, antes, aquela que já existe e aquela que segue nos ameaçando com seu retorno iminente em cada ato ou ação que corrói e enfraquece a democracia.
Eu tenho prá mim que os participantes desses sindicatos são é incapazes de interpretar textos - a queda da qualidade educacional tem-se sentido em todas as áreas, e o jornalismo não está imune. O próprio Demétrio Magnoli contesta a ilação do jornalista de serviço (o "serviço" em questão se refere a "aluguel") Luis Nassif:
Luis Nassif publicou nesta quinta-feira, 11 de março, um post no seu blog (conferir aqui) dedicado a justificar os fatos relatados numa reportagem da Folha de S. Paulo sobre as condições de sua contratação pela estatal TV Brasil. Lá pelas tantas, em meio a um argumento de natureza conspiratória, o post afirma que Otávio Frias Filho, diretor do jornal, “convocou Demétrio Magnoli para executar exemplarmente (...) em praça pública” os jornalistas da Folha que perpetraram uma reportagem manipuladora contra o senador Demóstenes Torres. O caluniador que é funcionário da TV estatal refere-se ao artigo que escrevi, publicado na seção Tendências/Debates da Folha SP em 09 de março passado.
(...)
Nassif tem uma briga particular com a Folha, que remonta à sua demissão do jornal e incide sobre a credibilidade jornalística daquilo que escreve. Nessa hora, em que o  governo e as ONGs racialistas atacam furiosamente todos os que ousam contestar a racialização oficial do Brasil, ele tenta misturar sua briga particular com a torrente de ofensas lançadas contra indivíduos sem ONG e sem conexões com o poder. É um modo inescrupuloso de conseguir poderosos defensores para seus próprios interesses.  Um ruído do submundo, só isso.
A espetacular contratação de Nassif pela TV Lula a que se refere Magnoli é essa aqui (replicada aqui e aqui). Nassif, profundo conhecedor do BNDES, ainda está empacando em sua milionária empreitada chapa-branca. Eu já sabia que governos tendem a ser generosos com os seus, mas realmente o "modelo econômico" do Nassif deixa qualquer grande mídia no chinelo, de tão inovador.

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Um comentário:

  1. Racismos

    Critiquei o sistema de cotas raciais antes mesmo que fosse adotado no país. Sempre me pareceu que a questão era conduzida com autoritarismo e mistificações, por parte de defensores e adversários. Políticas compensatórias deveriam objetivar a diminuição das desigualdades, nada mais. Inserir um diferencial étnico destrói esse espírito, principalmente onde os afro-descendentes representam a maioria da população.
    É perigoso abraçar o revanchismo histórico: todo radical possui algo de justiceiro. Basta lembrar, por exemplo, como os nazistas usaram a derrota na I Guerra e como o expansionismo israelense usa o Holocausto para justificar seus respectivos abusos. Podemos obrigar as gerações atuais a corrigir os erros de seus antepassados? Devemos cobrar o mesmo de Portugal, e nossos vizinhos da Espanha? Como satisfazer, daqui a séculos, quem responsabilizar as empresas transnacionais pelos males do mundo?
    As cotas serão endossadas pelo STF. Claro, será melhor assim, seus benefícios suplantam qualquer obstáculo teórico. Mas os protagonistas deste importante momento de reconstrução democrática poderiam deixar um legado menos maniqueísta e, enfim, “racial” para as sociedades futuras.

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