Recortes de notícia dessa semana, ainda sobre o PNDH-3, que comentei outro dia (o vídeo é sobre o documentário "Reparação", a ser lançado esse ano). Antes, trecho de artigo ótimo de Lucia Hippolito sobre o AI-5:
À noite, o ministro da Justiça Gama e Silva compareceu à TV, em cadeia nacional, para anunciar o AI-5, que determinava a suspensão do habeas corpus e conferia ao presidente da República poder para intervir nos estados e municípios, cassar mandatos e suspender direitos políticos por dez anos, confiscar bens adquiridos ilicitamente no exercício de função pública, decretar estado de sítio sem anuência do Congresso, promulgar decretos-lei, demitir ou reformar oficiais das Forças Armadas e das Polícias Militares.
Míriam Leitão, n'O Globo:
O curioso é que após sete anos o governo se propõe agora a fazer tudo diferente do que fez antes. Em uma das partes do decreto, por exemplo, tem a polêmica ideia de aprovar plebiscitos, referendos e leis de iniciativa popular contornando o Congresso e fazendo uma democracia direta. Só isso já dá um debate. Pode-se fazer isso de forma compatível com a democracia representativa ou é um começo de chavismo no Brasil, passando por cima da Constituição e aprovando o que der na telha?
(...)
Há uma mistura de absurdos com providências que já deveriam ter sido tomadas, com projetos que faziam parte do velho programa do partido do presidente e que foram abandonados pelo caminho. Em resumo, é um decreto confuso e tudo junto não fica em pé.
Amplo e polêmico: Decreto do Programa Nacional de Direitos Humanos prevê ações em diversas outras áreas do governo (José Casado, n'O Globo):
Mas para cumprir apenas o que está previsto nesse decreto seria preciso, no mínimo, um novo mandato. E um novo governo, com novos aliados dispostos a confrontar boa parte das forças políticas que sustentaram o governo Lula nos últimos 84 meses.
Sob o pretexto da criação de um programa governamental dos direitos humanos, Lula alinhou uma miríade de promessas para este ano eleitoral: da regulação de hortas comunitárias à revisão na Lei de Anistia; da taxação de grandes fortunas às mudanças nas regras dos planos de saúde; da legalização do casamento homossexual à fiscalização de pesquisas de biotecnologia e nanotecnologia.
(...)
Agora, pela primeira vez em três décadas, Lula não será candidato. Na reta final do seu mandato, o presidente assinou um decreto determinando o engajamento do governo em iniciativas para dar à Presidência da República meios de exercer o poder à margem do Congresso, via "plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular e de veto popular".
(...)
As 73 páginas do decreto, disponível na página da Presidência da República na internet, requerem de qualquer leitor um pouco mais do que o exercício da paciência: o texto árido corre entre autoelogios e construções extremamente tortuosas, como "a valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento, enfrentando o atual quadro de injustiça ambiental". Mas sempre "orientado pela transversalidade" - escreveram os autores-, com foco na "intersetorialidade, ação comunitária, intergeracionalidade e diversidade".
Amplo e polêmico: Com regras para todos os lados, texto do Programa Nacional de Direitos Humanos recebe críticas de diversos setores (Evandro Éboli n'O Globo):
Ao tratar de temas tão distintos - que variam de transgênicos a aborto, e de licença-paternidade a reforma agrária - o Programa Nacional de Direitos Humanos recebeu muitas críticas de vários segmentos da sociedade. Essa diversidade, no entanto, é elogiada pelos militantes da área.
(...)
Advogado que atua na área de direitos humanos, Augustino Veit, integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos, defende a inclusão de temas variados no programa.
- O conceito de direitos humanos hoje inclui direitos sociais, políticos, civis e tantos outros. Os programas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), por exemplo, violam os direitos humanos. Populações tradicionais são obrigadas a deixar regiões de construção de barragem, onde tinham uma história de vida, e sobreviviam com pesca e, de uma hora para outra, perdem tudo. Isso é violação de direitos humanos - disse Veit.
Entidades de comunicação criticam Plano de Direitos Humanos; OAB consultará comissão (na Folha) (em que a OAB confessa que concorda mesmo sem ler):
Associações de meios de comunicação divulgaram nesta sexta-feira nota criticando o ranking das empresas do setor previsto no Plano Nacional de Direitos Humanos. O decreto prevê a criação de uma comissão governamental para acompanhar como os meios de comunicação tratam os direitos humanos, criando um ranking de empresas.
Segundo as associações, o decreto possibilita a punição de empresas, como a cassação de outorgas dos veículos de radiodifusão, que não seguem "as diretrizes oficiais em relação aos direitos humanos".
(...)
Hoje, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) divulgou nota afirmando que consultará sua comissão de direitos humanos para fazer um parecer sobre o decreto 7037, que cria o plano. Com o estudo, o conselho federal da entidade deve fazer uma manifestação definitiva sobre a questão. No entanto, o presidente da OAB, Cezar Britto, afirmou que manterá a posição a favor da Comissão da Verdade, com objetivo de apurar torturas e desaparecimentos durante a ditadura (1964-1985).
Stephanes diz que decreto do Programa Nacional de Direitos Humanos cria 'insegurança jurídica' (n'O Globo):
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, disse nesta sexta-feira que o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que cria o Programa Nacional de Direitos Humanos - que prevê ações em diversas outras áreas do governo - gera uma "insegurança jurídica" ao flexibilizar as regras para reintegração de posse de propriedades invadidas. Segundo ele, não se pode mais dividir a agricultura em familiar e comercial, já que há uma classe média rural em crescimento. O ministro deixou claro que não participou da elaboração do decreto:
- Se houve debate, o Ministério da Agricultura não participou. Temos que participar dessa discussão - afirmou.
(...)
O decreto estabelece ainda para os próximos 11 meses a elaboração de pelo menos 27 novas leis : da regulação de hortas comunitárias à revisão na Lei de Anistia ; da taxação de grandes fortunas às mudanças nas regras dos planos de saúde; da legalização do casamento homossexual à fiscalização de pesquisas de biotecnologia e nanotecnologia. E cria mais de dez mil novas instâncias burocráticas no setor público.
O Cavalo de Tróia dos Direitos Humanos (Ruy Fabiano, no blog do Ricardo Noblat):
Por fora, é belo e atraente; por dentro, embute (mas não oculta) uma série de anomalias institucionais, que comprometem o direito de propriedade, a liberdade de imprensa e de expressão e, no fim das contas, o próprio conceito de direitos humanos. O texto relativiza o direito de propriedade, legitimando invasão e ocupação de terras, urbanas e rurais, em nome da justiça social. Justiça, como democracia, dispensa adjetivos.
(...)
Os movimentos ditos sociais, pelo simples fato de se declararem como tais, têm seus atos legitimados independentemente de seu conteúdo. Como se não bastasse, há questionamentos sobre o uso dos recursos estatais e privados que sustentam esses movimentos, que deles não prestam contas. A própria instalação da CPI do MST foi contestada a partir do argumento de que não se deve tocar nos movimentos sociais. Muito ao contrário, um movimento com tal responsabilidade não pode gerar dúvidas sobre suas ações e objetivos.
João Bosco Rabello, do Estadão:
Assinado e solenemente lançado na forma de Decreto pelo presidente da República, dele não se pode dissociá-lo, embora mais uma vez Lula se coloque à margem de uma produção de seu governo. Quando tentou a parceria da OAB para a tese da Constituinte, Lula referiu-se à inviabilidade de reformas com a fragmentação partidária do Congresso Nacional. Mas não explicitou que mudanças almejava ao defender a Constituinte.
(...)
Não há, nesse caso, como evitar classificá-lo de uma desonestidade política. Por Decreto, não se institui a gama de medidas ali previstas, sob o rótulo de direitos humanos. Ele introduz alterações na educação escolar, transformando em doutrina o que o PT entende por direitos humanos, cria tribunais para julgar o comportamento da mídia, consolida a invasão de propriedade como critério para a reforma agrária e dispõe sobre o aborto, entre tantos outros disparates.
Roteiro para o autoritarismo (editorial do Estadão):
Mas o maior perigo não está nos detalhes, e sim no objetivo geral dessa manobra articulada no Palácio do Planalto: a consolidação de um populismo autoritário sustentado na relação direta entre o chefe do poder e as massas articuladas em sindicatos, comitês e outras organizações "populares".
Tal como seu colega Hugo Chávez, o presidente Lula propõe a valorização de instrumentos como "lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito". É parte do populismo autoritário a conversão de formas excepcionais de consulta em meios normais de legislação. Usurpa-se o poder de legislar sem ter de recorrer a um golpe aberto. Da mesma forma, a multiplicação de "conselhos de direitos humanos", com ação coordenada "nas três esferas da Federação", reproduz a velha ideia de comitês populares tão cara às ditaduras.
(...)
A criançada ficará sujeita, nas escolas, a uma instrução sobre direitos humanos moldada segundo os interesses do regime e apresentada muito claramente no decreto. O controle sobre as mentes não poderá dispensar o comando dos meios de comunicação. Se as leis propostas forem aprovadas, o governo poderá suspender programações e cassar licenças de rádios e de televisões, quando houver "violações" de direitos humanos. Será criado um ranking nacional de veículos de comunicação, baseado em seu "comprometimento" com os direitos humanos. O governo também deverá incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e similares voltados para a educação sobre direitos humanos e para a reconstrução "da história recente do autoritarismo no Brasil". Será um autoritarismo cuidando da história de outro.
Contrabando (Editorial d'O Globo, publicado no blog do Ricardo Noblat):
Em meados da campanha, em 2002, porém, baixou o bom senso no candidato e em assessores próximos, e foi lançada a Carta ao Povo Brasileiro, pela qual Lula se comprometeu a respeitar as bases da economia de mercado e a não cometer desatinos como moratórias e confiscos. E deu certo.
O “programa de direitos humanos” propõe, além do fim unilateral da anistia, 27 leis, institui mais de 10 mil instâncias do tipo ouvidores, observatórios, e sempre na linha de vigilância do Estado sobre a sociedade. E vai adiante: prevê a regulamentação da taxação de fortunas, o financiamento público de campanha, a reformulação da legislação dos planos de saúde, a fiscalização de “empresas transnacionais”, e, não poderia faltar, facilita a invasão de terras, atropelando a propriedade privada. Este é outro aspecto grave do “programa de direitos humanos”: intervém em área do Poder Judiciário, para criar uma instância de mediação em conflitos agrários antes da ação do juiz.
(...)Outra proposta exótica é a montagem de um arcabouço de democracia direta, a joia da coroa da ideologia populista, demagógica do chavismo. A defesa da democracia direta reflete a intenção de destruir o sistema de representação política, assentado na independência entre os Poderes, com a criação de um regime a ser conduzido caudilhescamente por um líder carismático todo-poderoso, manipulador das vontades ditas populares a serem expressas em plebiscitos e referendos. Aposenta-se a democracia representativa, com seus pesos e contrapesos, funda-se o Estado unitário bolivariano, sem lugar para opositores.
Programa de Direitos Humanos é racista (blog Nação Mestiça):
O programa promove o supremacismo negro e a discriminação contra mulatos, caboclos e outros mestiços. Desrespeita também a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968) e a Declaração de Durban (2001), dos quais o Brasil é signatário, tendo sido o último ratificado pelo governo Lula ano passado na Conferência de Revisão de Durban, na Suíça. A Declaração condena a mestiçofobia: “Reconhecemos, em muitos países, a existência de uma população mestiça, de origens étnicas e raciais diversas, e sua valiosa contribuição para a promoção da tolerância e respeito nestas sociedades, e condenamos a discriminação de que são vítimas, especialmente porque a natureza sutil desta discriminação pode fazer com que seja negada a sua existência”.
Rever a anistia? (Alfredo Sirkis no blog do Fernando Gabeira):
O paradigma no qual se discutem as questões de defesa e de segurança do Brasil, hoje, nada têm a ver com aquele da “guerra fria”, de 30 anos atrás. Sem dúvida, as torturas, execuções e desaparecimentos e a opressão do regime militar, sobretudo no período de 68 a 78, foram abjetas, deviam ser amplamente conhecidas e já o são. Fazem parte da nossa história. Não penso que sejam prioridade de nossa pauta política, jurídica ou mesmo jornalística atual, a não ser que desejemos um futuro pautado pelo passado. As torturas e violações de direitos humanos que me preocupam são as do presente. A tortura continua a ser praticada mdash; como já era antes do regime militar — como técnica de investigação policial. Também é amplamente utilizada pelos traficantes, que desafiam o estado de direito e exercem sua ditadura militar local sobre com unidades que dominam. É estranho, convenhamos, querer julgar, hoje, algum militar septuagenário por torturas no DOI-Codi, há 35 ou 40 anos, num sistema judicial que já libertou, por “progressão de pena”, quase todos os bandidos que, há sete, torturam, esquartejaram e torraram no “forno microondas” o jornalista Tim Lopes.
Direitos humanos e democracia (blog do Fernando Gabeira):
Quando Lula se elegeu não apresentou como bandeiras a legalização do aborto, a união civil, ou mesmo a limitação de símbolos religiosos.
Na verdade, estes temas têm sido levados por políticos que sobrevivem numa espécie de nicho do eleitorado, sem pretensões de conquistar a maioria. Não entro no mérito de cada uma dessas bandeiras. O que questiono é o seguinte: é correto eleger-se com um discurso majoritário e depois apresentar um programa bastante radical de governo, sob a rubrica de direitos humanos? Ou devemos manter fidelidade as aspirações majoritárias? Falo com muita tranqüilidade, muitas dessas lutas têm meu apoio. O que não tem meu apoio, e disse isto claramente na campanha, é fazer passar como da maioria posições que são pessoais do candidato.
Na verdade, a aproximação do decreto com as propostas de Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correa, são muito grandes. O governo tem todo o direito de simpatizar com as idéias bolivarianas mas a verdade é que não as submeteu ao eleitorado, quando disputou a reeleição.
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