Há 200 anos nascia Charles Darwin, e há 150 anos ele publicava a "Origem" - o título completo é "Sobre a Origem das Espécies Através da Seleção Natural, ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta Pela Vida", e já explica bastante. Em celebração a isso, e já que é Natal, traduzo livremente uma entrevista que Francisco J. Ayala deu à publicação científica Current Biology (Current Biology, Volume 19, Issue 23, R1060-R1061, 15 December 2009 doi:10.1016/j.cub.2009.09.033). Francisco Ayala é professor da Univerisdade da Califórnia, trabalhou desde 1961 com Theodosius Dobzhansky, um dos pais da Teoria Moderna, e defende a compatibilidade entre religião e ciência (sendo ele próprio católico). Alguns trechos da entrevista:
Para mim, é inconcebível um Deus incapaz de "projetar" a teoria evolutiva, ou que queira nos enganar em seus modos (como os que sugerem que todos os fatos que corroboram com a evolução fazem parte na verdade de evidências "plantadas" por Deus - ou pelo Diabo - para nos iludir).
Todos sabemos que o desenho inteligente é só uma tentativa de "secularizar" o criacionismo, mas é divertido ver um diácono admitir o truque.
Ciência e religião são compatíveis?
A evolução e crenças religiosas não precisam estar em contradição. Aliás, se ciência e religião são compreendidas corretamente, elas não podem estar em contradição porque se referem a assuntos distintos. Ciência e religião são como duas janelas distintas para se olhar o mundo. As duas janelas olham para o mesmo mundo mas mostram aspectos diferentes desse mundo. Contradições aparentes surgem apenas quando ou a ciência ou a religião, ou geralmente ambas, ultrapassam suas próprias fronteiras e invadem erroneamente o campo da outra.
O desenho inteligente (projeto inteligente?) pode ser ensinado nas escolas como uma alternativa à teoria da evolução?
O desenho inteligente não é uma teoria científica. Ele afirma, primeiro, que os organismos foram projetados para certas funções e modos de vida. Então ele adiciona que apenas um criador onipotente pode ser responsável por seu projeto funcional. A ciência propõe explicações sobre o mundo natural, explicações que são testadas por observação e experimentos. O desenho inteligente não propõe nenhuma hipótese científica que possa ser testada dessa forma (com exceção a algumas negações que se provaram falsas). O desenho inteligente pode ser considerado como teologia natural, que foi como William Paley o chamou em seu livro "Teologia Natural", de 1802. E poderia ser ensinado em aulas de história da religião, mas não em aulas de ciência porque não é científico. A teoria da evolução deve ser ensinada em escolas porque sem ela nada faz sentido em biologia.
Você tem dito que o desenho inteligente é incompatível com a crença religiosa em Deus: o que você quer dizer?
Uma dificuldade ao se atribuir o projeto dos organismos ao Criador é que imperfeições, disfunções e crueldade assolam o mundo animal. Considere a nossa mandíbula, por exemplo. Temos dentes demais para o tamanho dela, tal que o dente do siso deve ser removido e dentistas podem ter uma vida decente corrigindo os defeitos dos outros. Nós gostaríamos de culpar a Deus por essa mancada? Um engenheiro humano teria feito melhor. A evolução explica bem essa imperfeição. O tamanho do cérebro cresceu através de seleção natural no tempo em nossos antepassados. A remodelagem do crânio para acomodar o cérebro maior impôs uma redução da mandíbula, para que a cabeça do recém-nascido não seja grande demais para passar pelo canal vaginal. A consideração a seguir deve ser ainda mais chocante para o desenho inteligente. Cerca de 20% de todas as gestações humanas acabam em aborto espontâneo durante os primeiros dois meses de gravidez. Essa infelicidade quer dizer atualmente mais de 20 milhões de abortos espontâneos mundialmente por ano. Eles querem culpar Deus pelas deficiências no sistema reprodutivo humano? É Deus, de fato, um abortista em escala monumental?
Para mim, é inconcebível um Deus incapaz de "projetar" a teoria evolutiva, ou que queira nos enganar em seus modos (como os que sugerem que todos os fatos que corroboram com a evolução fazem parte na verdade de evidências "plantadas" por Deus - ou pelo Diabo - para nos iludir).
Todos sabemos que o desenho inteligente é só uma tentativa de "secularizar" o criacionismo, mas é divertido ver um diácono admitir o truque.
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