quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O cuidado com o que é de todos

Trechos de dois artigos assinados no editorial do Estadão. O primeiro é "Publicidade em TV pública" (assinado por Eugenio Bucci), que comenta a iniciativa da TV cultura de restringir comerciais em sua programação infantil:
Ao lado das razões estéticas e éticas, existe outra ordem de fatores para que as instituições que recebem verbas públicas se afastem do ramo de vender espaço publicitário. São fatores, por assim dizer, concorrenciais. Como contam com receitas do Estado, essas instituições têm claras vantagens em relação às empresas privadas, que não gozam do mesmo benefício e, em regra, dependem exclusivamente da venda de anúncios para se sustentarem. Essas vantagens dão às primeiras uma folga respeitável na competição por anunciantes. Com seus custos parcialmente pagos pelos cofres estatais, elas têm, ao menos em tese, a possibilidade de oferecer aos clientes descontos que as outras não têm. Também por isso, enfim, não é recomendável que emissoras públicas se dediquem à veiculação de anúncios. Se levada ao extremo, essa prática viciaria o mercado e deturparia o próprio sentido democrático da publicidade.
Há uma crítica implícita nesse artigo de que publicidade é ruim em qualquer caso pois faz as emissoras "se venderem ao mercado". Eu diria que o mercado (competitivo, maduro) tem como único objetivo satisfazer os consumidores, e as escolhas da emissora devem refletir esse objetivo. Ou o telespectador muda de canal. Mas ainda assim o artigo é válido como aviso de cuidado com a coisa pública.

O outro artigo é "Um concurso do Ipea" (assinado por Roberto Macedo):
De passagem pela USP, vi postado um anúncio de concurso para 80 vagas de nível superior no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos.

(...)

Entretanto, esse maior concurso apresenta também grandes problemas. Para que tanta gente, quase um novo instituto, e com esse salário? É bem superior aos pagos em início de carreiras semelhantes no mercado de trabalho em geral, sem contar as vantagens da estabilidade e de uma aposentadoria maior. Isso vem da inflação salarial arquitetada em Brasília para cargos iniciais de várias carreiras, o que, mais a forte ampliação dos quadros, como espelhada nesse concurso, se inscreverá, para os próximos governos, no rol da herança maldita do atual.

(...)

Para conhecer detalhes consultei o edital do concurso (www.cespe.unb.br/concursos/ipea2008), um calhamaço de 51 páginas. Aí, vi que, além de provas objetivas, de caráter eliminatório e classificatório, há uma prova discursiva, também com esse duplo caráter, e uma prova oral, só classificatória. O problema destas duas últimas é que oferecem o risco de avaliações subjetivas.

(...)

Qual, então, o problema? Está no fato de que nas universidades várias cautelas são tomadas para evitar julgamentos subjetivos, como as bancas com cinco professores, alguns dos quais pertencentes a quadros de outros departamentos e mesmo de outras universidades. As provas são também públicas , com o que a argüição de um candidato poderá ser presenciada pelos demais, entre outros interessados.

O edital nada diz sobre esses aspectos. Diz apenas que o concurso será executado pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB).

O que Roberto Macedo é polido demais para dizer mais explicitamente é que: 1) esse concurso faz apenas inchar a máquina, em cargos que mesmo que se tornem obsoletos não podem ser extintos facilmente; 2) sem transparência e objetividade totais, não há qualquer garantia de que esse dinheiro esteja sendo bem investido; 3) essa é mais uma pedra no muro de politização que tem invadido o IPEA. Eu diria que a entrevista será de apenas uma questão, na linha "se houvesse um candidato ou partido em que você votaria pelo resto de sua vida, quem seria?". Mais simples - e dualeticamente mais objetiva - do que preparar questões sérias e analizar o discurso.

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