sábado, 12 de julho de 2008

O festival Woodstock da economia

Trechos de Artigo de Roberto Campos publicado em 1999 no Zero Hora, comentando a reunião da OMC em Seattle:
Em 1994, ainda com a lembrança recente da autodissolução da União Soviética, e o fim pacífico do que restava do socialismo, estava subindo a maré da globalização, e os caminhos da prosperidade pareciam abertos a todos os países. Seria ingênuo imaginar que as vantagens da expansão e liberalização do comércio internacional se distribuiriam uniformemente entre todos os países e agentes econômicos. Nada funciona assim. O que cabe dizer é que na média geral, os benefícios são superiores aos eventuais custos. Em Seattle, o grande barulho foi promovido por protecionistas dos sindicatos, que sentem perda de poder na sociedade do conhecimento, tecnoficados, e por ecologistas extremados, que acham que a expansão econômica ameaça a natureza.

...

A situação foi complicada no entanto por outra subavaliação, a da capacidade que tem um grupo de bagunceiros bem manipulados de paralisar temporariamente certas peças do aparelho de um Estado democrático moderno. Não há novidade, é claro, na noção do uso organizado da violência, primeiro sistematizada por Sorel, depois usada com êxito por Lenin e Trotsky na revolução russa, por Mussolini em 1921, e por muitos outros desde então. O grande complicador é a paulatina erosão da legitimidade institucional e política nas sociedades atuais. Nas democracias, pequenos grupos de interesses especiais conseguem fazer barulhos desproporcionais e intimidar os representantes eleitos da maioria silenciosa. O fenômeno contemporâneo das ONGs ilustra bem as dificuldades. A legitimidade política e democrática baseia-se em instituições representativas e eleições abertas e universais. As ONGs são meras organizações, associações ou clubes que se estabelecem por conta própria, dizem de si mesmas o que querem, e não estão sujeitas a eleições ou outro mecanismo formal de validação.

...

A onda mundial de neoprotecionismo é desapontadora para os partidários do livre comércio. Poucas teorias têm tido ao longo de anos tanta demonstração de sua superioridade sobre soluções protecionistas. Os países de economia aberta têm revelado desempenho superior aos de economia fechada, quer em termos de crescimento da renda, quer da eficiência e emprego. Existe entretanto uma fatal assimetria de percepção. Os benefícios do livre comércio são difusos entre milhares de consumidores não-organizados, que se beneficiam de menores preços e melhor qualidade. A vantagem psicológica do protecionismo é que evita dramático desemprego em setores específicos e mobilizados, ainda que com sacrifício da maioria de consumidores e das atividades de exportação. Assim, o benefício é disperso e a dor concentrada.
Os trechos que destaquei em negrito mostram pontos mais difíceis de assimilar (ou seja, frequentemente distorcidos):
  • o liberalismo não promove a eqüidade econômica, mas permite o crescimento da sociedade como um todo, onde apesar de haver uns muito mais ricos do que outros, mesmo os mais pobres tem uma vida confortável. Não existe política econômica sem custos, mas o liberalismo com o mínimo de interventores externos maximiza os benefícios. Um exemplo hipotético: um sujeito que mora nos EUA ou Japão tem poder aquisitivo muito maior do que o seu irmão gêmeo, que realiza o mesmíssimo trabalho com o mesmo empenho mas mora no Brasil, ainda que esse trabalho não seja conceituado.
  • A crítica de RC às ONGs não implica em que elas sejam todas fraudulentas ou o que seja: ele apenas comenta que elas possuem um peso (eleitoral, digamos) maior que a soma de seus constituintes, e esse peso não é justificado, ou objetivamente mensurável. Trocando em miúdos, uma ONG composta por 50 pessoas tem muito mais influência política do que 50 eleitores, ao mesmo tempo em que não se sujeitam ao processo democrático e de mercado.
  • O protecionismo, ou neoludismo, faz sucesso porque não se percebem os seus malefícios enquanto os beneficiados são identificáveis. Já a livre concorrência estimula um aumento de qualidade, onde todos (inclusive os que perderam temporariamente o emprego) se beneficiam com preços mais baixos. De onde se entende que a sociedade inteira acaba pagando pelos protecionismos. Ser despedido é das experiências mais frustantes, não há dúvida. Mas mesmo esses trabalhadores que parecem perder com o fim do protecionismo na verdade ganham, ao ter acesso a novas tecnologias que lhes permitem salários melhores por um trabalho menos braçal. Um exemplo é o uso de catracas eletrônicas em ônibus, ou informatização em geral: os que tem seus empregos ameaçados, na verdade, podem atuar na manutenção ou logística utilizando sua experiência prática (vide aquele filme do Willy Wonka).
O artigo, apesar de ter sido escrito há 9 anos, continua atualíssimo. Ou seja, não aprendemos nada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Eu costumo aceitar todos os comentários que não sejam ofensivos ou SPAM. Mas antes, leia a política de comentário do blog. Aceite, do fundo do seu coração, que seu comentário poderá ser rejeitado.

Por favor, não inclua nem mesmo na sua assinatura links comerciais ou que não sejam relacionados ao post - o comentário será rejeitado e entrará na fila de SPAM.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails