quarta-feira, 12 de maio de 2010

Antropólogos que preferem um carteiraço a argumentos?

No Jornal da Ciência está publicada uma nota da  Associação Brasileira de Antropologia (ABA) contra uma reportagem da Veja. Um trecho da nota:
A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. (...)

Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública. (...)

Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo "neocon".
E um trecho da reportagem da Veja:
A maioria desses laudos é elaborada sem nenhum rigor científico e com claro teor ideológico de uma esquerda que ainda insiste em extinguir o capitalismo, imobilizando terras para a produção.
Leiam, e tirem suas conclusões. Prá mim, falta muita leitura e interpretação de texto para quem escreveu essa nota de repúdio. Por exemplo, ao criticar o tom acusatório do outro, não é producente acusar sem provas também.

Há também erros primários de interpretação, como dizer que "90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais" quando a reportagem claramente diz "[s]e a conta incluir também os assentamentos de reforma agrária, as cidades, os portos, as estradas e outras obras de infraestrutura, o total alcança 90,6% do território nacional". Ou
Subtítulos como "os novos canibais", "macumbeiros de cocar", "teatrinho na praia", "made in Paraguai", "os carambolas", explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas.
Quando a revista está comprovando (sim, com dados e entrevista) que esses indivíduos são, sim, falsos índios, e a defesa dos índios de verdade depende dessa distinção básica. Não há preconceito algum em dizer que o Sr. José Ailson da Silva, o "novo canibal", já se declarou pataxó, e depois tupinambá (extintos há 400 anos, segundo a Veja) ao ser rechaçado pelos pataxós de verdade. No afã de defender o Sr. José (que, diz a revista, vive do roubo e invasões) e quem queira imitá-lo, a ABA banaliza e ataca os pataxós. Na reportagem há também um impressionante caso descrito no quadro "Não basta ser negro", mostrando como os direitos das minorias são desrespeitados para favorecer as minorias com pedigree, "engajadas". As críticas da revista ao menos são consistentes com os dados expostos. O que não quer dizer que os dados sejam verdadeiros, mas ainda não vi contestação nem na excelente oportunidade dada à ABA.

Em resumo: a Veja ataca, sim, alguns antropólogos, que mostra-se na reportagem são incompetentes. A ABA, em vez de expurgar esses maus pesquisadores (ou mostrar que estão corretos) os defende dizendo que "[o]s profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país", e ataca a revista. Ou seja, um ad hominem e um argumento de autoridade. Essa declaração não pode ser interpretada exatamente como um elogio às instituições de ensino. A ABA faria muito melhor se contestasse os dados, não as intenções. Essa é uma prerrogativa da revista de que não gozam os cientistas. Não enquanto cientistas, talvez como ideólogos...



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Eu costumo aceitar todos os comentários que não sejam ofensivos ou SPAM. Mas antes, leia a política de comentário do blog. Aceite, do fundo do seu coração, que seu comentário poderá ser rejeitado.

Por favor, não inclua nem mesmo na sua assinatura links comerciais ou que não sejam relacionados ao post - o comentário será rejeitado e entrará na fila de SPAM.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails