domingo, 26 de julho de 2009

Ética antiliberal, antidemocrática e não republicana(*)

Trechos de entrevista do professor Roberto Romano, no Estadão:
Quer dizer que, embora as pessoas digam que os políticos não têm ética, eles têm?

Eles têm essa ética aí, que estamos vendo. Com a centralização do poder e a falta de autonomia dos municípios e Estados, os políticos brasileiros atuam como mediadores com os donos do poder. Se um senador ou um deputado federal não traz obras para os município, ele não consegue se reeleger na sua base. Existe, portanto, um conúbio, uma cumplicidade, inconsciente muitas vezes, em que o eleitor colabora com o seu voto para o "é dando que se recebe", nesse sistema distorcido, sem federação e sem república. Para ter recursos, o político faz concessões e chantageia o Executivo. E ele ainda julga que faz um favor quando consegue uma creche.

Ele é um despachante de luxo?

Ele não se assume, de acordo com os preceitos do Estado Democrático de Direito, como fiscalizador e legislador. Veja a batalha que está ocorrendo no Congresso norte-americano, em torno da nomeação de Sonia Sotomayor para a Suprema Corte. O presidente tem maioria, mas a minoria questiona sem parar e a mulher se defende, luta pelo cargo. Compare com as audiências no Senado brasileiro para as nomeações de juízes do STF. Quando é mulher, a coisa chega ao nível do deboche. Elogiaram o vestido da Ellen Gracie, o penteado, a beleza. O discurso de um Wellington Salgado no Senado é de causar vergonha.

(...)

(Há uma consciência mais aguda)[m]as não suficiente?

Faça um levantamento de quantas ONGs existem na classe média e das que recebem recursos públicos. Vai entender porque as pessoas não vão às ruas. Ficaram realistas. E não há nada pior na democracia do que o realista, o sujeito que silencia diante das piores coisas da vida pública, com esperança de ter verba. Também considero alarmante e inaceitável o chefe de Estado, o presidente dizer que é preciso cuidado com a biografia de uma pessoa e de uma família com as características que vocês mostram, que a PF mostra.


(*) O Gustavo Romano (leitura obrigatória prá quem quer entender direito) tem um post interessante comparando sistemas republicanos e monárquicos, para mostrar que ser ou não uma república não é indicador de uma boa democracia. Eu temo que ele tenha jogado o bebê junto com a água da bacia ao afirmar que a palavra "república" é apenas uma "muleta da retorica politica". Independente do uso que governos e políticos façam dela, a palavra república remete à Res Publica (a coisa pública), ou seja, a probidade e responsabilidade ao se cuidar do que é de todos. Não é novidade que sempre se tentam vender as piores idéias com as mais nobres justificativas. Não apenas as "repúblicas", mas as "democracias", "governos populares" e "entidades sociais" podem não ter nada de republicano, democrático, popular ou social. Mas isso não desqualifica as idéias de república, democracia ou sociedade. Ou seja, a Hipótese de Sapir-Whorf é falsa.



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2 comentários:

  1. Leo, tenho um comentário a fazer sobre o texto do Gustavo Romano, fiz também no blog dele [mas lá parece que os comentários não são publicados :-(]

    Acho que a contraposição entre república e monarquia não vale para as monarquias modernas, já que são constitucionais e democráticas. Lembro-me da explicação que Robert Dahl dá em "sobre a democracia" que a origem da palavra democracia é grega e a da república é romana, as duas mais ou menos significando a mesma coisa: Povo participar do governo. Diz ainda que a diferenciação teria surgido com os federalistas norte americanos que instituíram que democracia valeria para pequenos Estados e a república para os grandes, como os Estados Unidos.

    Se formos considerar ainda que república pode significar uma espécie de ética pública, acaba se distanciando ainda mais da idéia de sistema de governo ou método para tomada de decisões políticas. Basta comparar a chamada cultura democrática ou republicana presente hoje nos Estados Unidos e Inglaterra para ver que têm muito em comum, mesmo sendo, no sentido antigo, uma monarquia de um lado e uma república do outro.

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  2. Obrigado pelo comentário! Não sabia dessa distinção dos "founding fathers" entre república e democracia... eu quero tudo ao mesmo tempo agora ;)

    Esse foi o e-mail que enviei ao Gustavo:

    Entendi quando você disse que república não é um termo jurídico, e concordo que políticos o usam de maneira sofismática. Mas "república", independentemente de estar associada a uma forma de governo, possui o significado muito simples de "coisa pública". Uma grande diferença entre os países citados no seu comentário é justamente o trato dado à coisa pública. Acho que foi criado um falso dilema, dado que o parlamentarismo não é incompatível com o espírito republicano. Todas as poucas monarquias desenvolvidas que me lembro são na verdade monarquias constitucionais, mas o governo é parlamentar.

    Ele me respondeu prontamente, dizendo que talvez não tenha sido claro em apenas fazer o contraponto entre república e monarquia como sistemas de governo. O parlamentarismo ou presidencialismo seriam formas de governo. Ah, sim, o Japão e a Espanha também são monarquias! O que eu acho interessante nos sistemas monárquicos é que há uma distinção entre o líder técnico (primeiro ministro, etc) e o líder popular (família real), algo como os duais forma/função, ética/estética, razão/emoção, por aí vai.

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