terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Reinaldo flertando com os criacionistas

Reinaldo Azevedo criticou os comentaristas que o haviam achado leniente quanto às escolas criacionistas:
O centro do meu artigo sobre o dito ensino do criacionismo nas escolas não está na sua equiparação com a suposta cientificidade do evolucionismo. (...) O que escrevi, e está claro para quem não se comporta como um vagabundo, um bandoleiro, é que AS ESCOLAS RELIGIOSAS têm o direito — e, suponho, também o dever perante a comunidade mantenedora da instituição de ensino: a igreja, seja ela qual for — de ensinar a sua visão de mundo, desde que deixe claro que se trata da abordagem religiosa.

O que é, de fato, compatível com o que já havia declarado antes:
É chato ter de explicar que é evidente que defendo o direito que as pessoas têm de se organizar e se manifestar contra leis que consideram injustas. “Ou a sociedade não avança”, dizem-me alguns. Eu, por exemplo, defendo o direito que os pais têm de brigar pelo ensino do criacionismo nas escolas — desde que na aula de religião, não na de biologia; desde que um não seja posto no lugar do outro. Usar Darwin para negar a religião é uma estupidez. E o contrário, idem. Uma das minhas filhas faz um curso de religião — por opção. A outra não se interessa pelo assunto. Cobro de ambas um bom desempenho em Ciências.

Mas será que quem discordou dele pode realmente ser chamado de bandoleiro?
A reportagem que deu origem ao imbróglio, entitulada "Escolas adotam criacionismo em aulas de ciências" e com subtítulo "Instituições religiosas usam explicação cristã sobre criação do mundo junto com a teoria da evolução" não deixa dúvida sobre a origem da questão:
o criacionismo e o design inteligente se espalham pelas escolas confessionais brasileiras - e não apenas no ensino religioso, mas nas aulas de ciências.

(...)

Escolas tradicionais religiosas como Mackenzie, Colégio Batista e a rede de escolas adventistas do País adotam a atitude de não separar religião e ciência nas aulas, levando aos alunos a explicação cristã sobre a criação do mundo junto com os conceitos da teoria evolucionista.

(...)

A polêmica está no fato de os colégios ensinarem o criacionismo e o design inteligente não como explicações religiosas, mas como correntes científicas que se contrapõem ao evolucionismo. [ nota minha: "evolucionismo" é pejorativo que induz a ideologia, assim como "gravitacionismo" ou "economismo" ]

Reinaldo prefere fugir do assunto e fingir que a notícia era sobre escolas religiosas darem aulas de religião ou sobre algum patrulhamento, sei lá:
Qual o problema? Segundo entendi, as escolas estão ensinando as duas coisas: afirmam a verdade científica e dizem qual é o entendimento que, como religiosos, têm da questão.

(...)

Espero que as minhas filhas sejam informadas sobre essas duas verdades: a científica e a religiosa — sim, existe uma “verdade religiosa”, que está num domínio que não disputa espaço com a ciência.

O problema, caro Reinaldo, é que elas não afirmam a verdade científica: dão várias opções como se tivessem o mesmo peso racional e ainda afirmam que "na nossa ciência, os fatos são subjugados à fé!". E é justamente pela "verdade religiosa" estar num domínio que não disputa espaço com a ciência que as escolas merecem reprimenda. Do jeito que está, as escolas põem ciência e religião em competição. E eu particularmente acho as teorias criacionistas tão toscas que farão mais mal à religião do que à ciência. Milhares de anos de conhecimento religioso tentando ser substituídos por um Deus da ignorância - o "God of the gaps" que se esconde no que ainda não se sabe ou um projetista que explica apenas o que é complicado demais para ser equacionado.

(obs: todos os destaques em negrito são meus)

Atualização em 10 de Dezembro, sete da manhã em Brasília:

O Reinaldo parece ter dado dez passos para trás em seu comentário mais recente. Logo após assumir que o criacionismo é uma concepção religiosa (ou seja, que não cabe em aulas de ciências naturais):
A questão que debato desde sempre é outra: democracia e tolerância. Podem as escolas religiosas sustentar um ponto de vista religioso sobre a origem das espécies?
Ele finalmente assume que prefere criacionismo em aulas de biologia, inclusive em escolas laicas:
Compreendo também outra restrição: “Que falem de criacionismo na aula de religião, não na de biologia”. Prefiro assim: que, na aula de biologia, se faça a melhor exposição possível da teoria darwinista e também da concepção criacionista. Aliás, acredito que, NO QUE CONCERNE À FORMAÇÃO INTELECTUAL DOS ALUNOS, isso poderia ser feito tanto nas escolas laicas como nas religiosas.
Repetindo o mantra da tolerância. Quando são os desafetos, é "visão crítica esquerdopata" ou vigarice intelectual. Quando é prá misturar teoria religiosa que não se sustenta cientificamente é tolerância. A Ciência é intolerante mesmo, não existem alternativas ao método científico. Ou não é Ciência. Da mesma forma que a língua portuguesa, porcamente escrita e incompreensível não é língua portuguesa. Para parafraseá-lo, não é uma questão de gosto mas de fato.

Cabe-me lembrar que sua posição está correta se interpretarmos seus comentários como a defesa proposta por Michael Reiss, ex-diretor da Royal Society britânica: devemos ensinar ambas, e explicar por que a teoria darwiniana é aceita cientificamente e por que a criacionista não o é. Michael Reiss, pastor da igreja anglicana, teve de se afastar do cargo na Sociedade Real (a maior autoridade acadêmica do Reino Unido) após seus comentários virarem manchete fora de contexto. Mas Reinaldo faz um desserviço ao não explicitar essa intenção, e ao escrever um texto dúbio dá munição aos preguiçosos intelectuais e serve como justificativa às escolhas temerárias das escolas - dado que certamente essas escolas não estão interessadas em reconhecer o caráter impostor do criacionismo.

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Um comentário:

  1. Olá!

    Fiz um comentário que o Reinaldo Azevedo não publicou. Foi uma tirinha que encontrei na Internet, ei-la:

    Creationists Challenge Freezing Point.

    Uma passagem interessante do texto do blogueiro é a seguinte (os destaques em negrito são meus):

    [...] O centro do meu artigo sobre o dito ensino do criacionismo nas escolas não está na sua equiparação com a suposta cientificidade do evolucionismo. Escrevo “suposta” porque qualquer pessoa intelectualmente honesta que tenha lido a respeito sabe que se trata de uma teoria: plausível, com muitas evidências que não estranham a lógica, mas sem a tal prova provada.[...]"

    Isso é puro obscurantismo. Um tipo de argumento que o blogueiro, geralmente, atribui aos esquerdopatas e petralhas vagabundos.

    Dizer que a evolução é apenas uma teoria é pura ignorância sobre o assunto. O termo "teoria", em ciência, possui um significado que preza bem mais pelo rigor e pelo método do que o uso cotidiano de tal palavra -- uso esse que, com frequência, quer dar a entender que uma determinada pessoa tem uma explicação/hipótese sobre um dado problema/situação/etc.

    Em ciência, teoria é algo demonstrável, modelável e que pode ser posto em dúvida caso novas evidências surjam e dêem indicações de que o presente modo em que a teoria se encontra pode estar com lacunas em certos pontos, podendo, assim, ser revisada e ajustada a essas evidências. Em casos extremos, a teoria vigente pode até mesmo ser completamente descartada, caso haja evidências fortemente embasadas que indiquem isso.

    Uma das passagens mais toscas é quando o blogueiro afirma que não há "provas provadas" (sabe-se lá qual o significado disso na cabeça dele) da evolução das espécies. Os registros geológicos e paleontológicos que o digam -- sem contar a cladística e o estudo das espécies em transição.

    Essa atitude do blogueiro da Revista Veja não é muito diferente do que Lysenko pregava em sua metodologia agrícola (i.e., Lysenkoísmo), na qual a genética mendeliana é tida como uma ciência burguesa. Talvez, na cabeça de Reinaldo Azevedo, a teoria da evolução seja uma ciência bolivariana.

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